"Amores Roubados": De amores proibidos à superação do machismo do sertão.

 
 Ontem foi ao ar o último capítulo da tão comentada série Amores Roubados. Escrita por George Moura, com supervisão de texto de Maria Adelaide Amaral, o autor conseguiu mostrar a que veio. Assumiu a autoria titular com a minissérie O Canto da Sereia, baseada no romance de Nelson Mota, e com apenas quatro episódios, ele conseguiu deixar sua marca na dramaturgia. Voltou esse ano com o mesmo estilo, trazendo uma história policial e ao mesmo tempo, romances proibidos. De origem nordestina conseguiu, com muito esmero retratar a região sem os estereótipos tão comuns em telenovelas. E sem grandes histórias, ele criou um roteiro impactante e diálogos que fizeram percebermos o quão pequena ainda é a qualidade da atual novela das nove, nesse quesito.
George se baseou no conto da Emparedada da Rua Nova para criar sua história, mas nem por isso, ele seguiu à risca a "lenda" contada em Pernambuco. Tanto que Antônia (Ísis Valverde) é que termina a saga viva, ao passo que o vilão Jaime (Murilo Benício) é quem morre - caindo de um penhasco,  não emparedado. Outra questão interessante é a pitada de Eça de Queirós na trama, com a história de Celeste (Dira Paes), que sofre um suborno da empregada, fazendo jus ao livro O Primo Basílio. Ao mesmo tempo que trazia uma história parecida, ele não deu tanta ênfase na trama, e nem fez da vida de Celeste um inferno nas mãos de Carolina (Cássia Kis Magro), a empregada mau caráter, como ocorre no livro - que eu espero que tenham ao menos visto a série ou o filme; não vamos bancar os ignorantes né, meus amores?!

Diante de tantas novelas questionáveis da atualidade, nos deparamos com diálogos bem escritos, histórias comuns, porém, bem desenvolvidas, e uma trilha sonora "sem medo de ser feliz".  Outro ponto alto da trama foram as atuações, quase todas impecáveis. E dentre o elenco, nos vimos diante de grandes nomes como Patricia Pillar, Cássia Kis Magro e Murilo Benício, passando por um elenco jovem eficiente no que faz como Ísis Valverde e chegamos até a nomes não muito conhecidos do público como Jesuíta Barbosa e Irandhir Santos, recém saídos do sucesso cinematográfico Tatuagem, vencedor de vários prêmios.
Em entrevista o autor explica o porquê de ter optado por um novo final pra história, que talvez tenha sido seu único pecado na trama. Ele alega que o ato de emparedar a protagonista nos idos de 2014, por conta de uma gravidez indesejado era praticamente incabível dentro da história. Hoje em dia é comum as mulheres criarem seus filhos, mesmo que os pais tenham morrido ou sejam de uma classe social inferior da delas. E tal pensamento tem efeito: Antônia estudou na Europa, não se sabe o que, nem se ela chegou a terminar, mas possuía dinheiro suficiente para isso. Mesmo que Jaime a deserdasse, ela ainda teria mecanismos para procurar algum emprego e criar seu filho, além do amplo apoio do avô, que seria óbvio que ela teria, já que ele demonstrou ser um homem a frente de seu tempo e alheio às opiniões machistas que imperavam a região. O autor de certa forma mostrou uma evolução no pensamento do sertão, onde o patriarcado exacerbado era ordem e ser mulher na região tinha apenas a função de ser subordinada ao seu marido. Vimos na trama mulheres que enfrentaram seus maridos, pais e quem quer que fossem, além de termos no personagem de Osmar Prado a prova do homem contemporâneo, que perdoa a esposa de sua traição, por conta de seu amor por ela.

Com tamanho primor, nós telespectadores, nos sentimos lisonjeados com essas particularidades que permeiam nossa TV brasileira. Ainda somos os melhores na arte de criar novelas, e apesar de muitas vezes nos vermos frustrados com obras tão fracassadas e nada dignas de nosso respeito, em outros momentos temos orgulho de tantos bons trabalhos como essa minissérie. Que o remake de O Rebu, que estreia no meio do ano, também escrito por George Moura e com direção de José Luiz Villamarin seja de tamanho primor quanto essa minissérie e que o público perceba que qualidade nem sempre está ligada a tramas folhetinescas que apelam para o melodrama - Amor à Vida detected.