Duas novelas?


Hoje tem a reestreia da novela Caras e Bocas (2009), e a Globo resolveu fazer a linha SBTosco e lançar novela nova junto com o término da velha. Tudo estaria em perfeito estado, não um mero fator: ambas novelas vespertinas são escritas por Walcyr Carrasco, que também assina a inédita Amor à Vida, exibida às 21 horas. Para os leigos de plantão, as novelas não têm nada a ver uma com a outra, até porque uma se passa num São Paulo contemporizada, ao passo que a outra trama se passa em plena década de 20.  Mas se olharmos com mais afinco, perceberemos que, assim como as outras obras (se é que podemos chamar as novelas dele de "obras"), elas têm muitas semelhanças. A começar pelo casal principal que vive como gato e rato. Perdoamos em O Cravo e a Rosa (2000), por ser uma trama inspirada em A Megera Domada, de Shakespeare, mas por que usar tal elemento em várias tramas suas?! - essa questão de amor e ódio dos protagonistas já esteve presente em Chocolate com Pimenta (2003) e Morde & Assopra (2011). O auge da absolvição de O Cravo e a Rosa se dá por conta de ter sido um dos melhores trabalhos do autor, onde tudo deu certo. O texto teatral, as piadas infantilizadas, os estereótipos, enfim, tudo deu certo naquela história que foi a porta de entrada de Walcyr na Rede Globo. Dali em diante, nada parecia tão mais novo e ele caiu na teia em que praticamente todos autores vão parar: o clichê. As histórias foram se tornando muito semelhantes, diferente de seus trabalhos anteriores em outras emissoras, como em Fascinação (1998) e Xica da Silva (1996), que são, ao meu ver, primores de novelas. Não víamos nelas muitas semelhanças, víamos estilos diferentes, tramas distintas, até sua entrada na Vênus platinada. 

Voltando às tramas que estão/serão exibidas atualmente, temos o dinheiro imperando a relação de amor dos mocinhos, como houve em O Cravo e a Rosa, em que Petruchio (Eduardo Moscovis) aceita se casar com Catarina (Adriana Esteves) por uma quantia de dinheiro. Em Caras & Bocas, ocorreu o oposto, mas teve certa ligação; o casal foi separado por conta da fortuna de Dafne (Flávia Alessandra), mas com o tempo, a moça se viu obrigada a se casar com quem fosse para por as mãos na mesma fortuna que serviu para separá-la de seu amor. Além dessa questão, outro ponto forte foi com relação aos números de audiência. O Cravo e a Rosa não foi seu maior sucesso segundo o IBOPE, mas garantiu ao autor uma fixação na emissora da família Marinho, ao passo que Caras & Bocas também não esteve entre seus maiores êxitos, mas foi a melhor audiência do autor no horário das 19 horas - Sete Pecados (2007) e Morde & Assopra tiveram bons números, mas a audiência foi muito oscilante. 

Uma das coisas que mais gosto nas tramas de Walcyr são as histórias paralelas que vão ganhando vida e terminando sua saga ao longo da história principal. Geralmente, o autor aposto no amor proibido, nos empecilhos que surgem nos caminhos dos personagens para eles conseguirem viver uma grande história de amor. Bianca (Leandra Leal), Heitor (Rodrigo Faro) e Edmundo (Ângelo Antônio) foram os destaques de coadjuvante em O Cravo e a Rosa. Ao passo que em Caras & Bocas tiveram grandes personagens vivendo os amores proibidos, como o judeu Benjamin (Sidney Sampaio) e Tatiana (Rachel Ripani), o playboy Nick (Sérgio Marone) e a negra Milena (Sheron Menezes), a cega Anita (Daniele Haloten) e seu eterno apaixonado Anselmo (Wagner Santisteban), entre outros. Atualmente, vemos o mesmo esquema na novela das nove, como o casal Linda (Bruna Linzmeyer) e Rafael (Rainer Cadete), que sofrem por conta do autismo da garota. 


Em suma, acredito que a Globo tenha pecado bastante. Não apenas por reprisar sequencialmente duas tramas do mesmo autor, mas por já ter uma sendo exibida às 21 horas, horário de tanto enfoque na TV brasileira. Sabemos que dentro de algumas semanas, Amor à Vida acaba e só restará Caras & Bocas no ar. Mas porque apelar para um texto que é tão batido, talvez se tentasse com autores que usam de clichês mais sutis fosse uma boa aposta. Quando foi divulgada a (re)reprise de O Cravo e a Rosa, a Globo alegou que o Ministério da Justiça proibiu a reprise de Cobras & Lagartos (2006) que seria a primeira opção. Ok, sabemos que o MJ anda proibindo muita coisa de ser exibida à tarde, mas precisava apelar para uma reprise de reprise e ser substituída por uma novela do mesmo autor ainda?! A cúpula da emissora acredita no potencial de Caras & Bocas, tanto que a meta é que se aumente a audiência do horário que vem enfrentando uma drástica queda, apesar de O Cravo e a Rosa ter segurado bem nos números. Tanto que há a discussão de se colocar o Vale a Pena Ver de Novo no horário da Sessão da Tarde, como já acontece em algumas capitais. Se vai dar certo ou não, só o tempo vai dizer, mas que, com o aumento no acesso à TV paga, ocorreu a migração em massa para o canal Viva que traz reprises muito mais interessantes, isso a Globo não pode negar.