Seu nome não é Helena.


Mais típico do que o Leblon nas novelas do Manoel Carlos, são suas Helenas. Mas muito além dessa fortaleza em forma de mulher, estão outras personagens do sexo feminino que, não só marcaram presença nas novelas do autor, como também mostraram sua fibra e determinação diante das tenebrosas tempestades pelas quais Manoel Carlos as obrigou a atravessar. Vou fazer meu melhor para tentar relembrar algumas dessas mulheres que destacaram na trama, mesmo sendo meras coadjuvantes.

Em Baila Comigo (1981), a trama principal era em torno dos gêmeos vividos por Tony Ramos, mas muito além dali, Manoel Carlos deu foco no preconceito racial, ainda um tabu naquela época. A personagem Letícia (Beatriz Lyra) tinha um relacionamento com Otto (Milton Gonçalves) em que, obviamente, existiria um beijo entre eles. O tal beijo causou tanto alvoroço em meio aos telespectadores que Beatriz Lyra chegou a ser hostilizada nas ruas do Rio de Janeiro. Mais do que dar vida à uma personagem de fibra, a atriz teve que mostrar pulso firme e enfrentar tudo e todos por conta do papel que foi um dos destaques da novela.  

Manoel Carlos passou bons anos sem uma outra Helena, que só viria a aparecer em Felicidade (1991). Mas antes disso, ele deu vida à uma protagonista que, mesmo fugindo à regra, se chamava Rachel (Irene Ravache) e não poupou esforços em enfrentar a todos para viver um grande amor. A novela em questão era Sol de Verão (1982), trama que consagrou o autor como "cronista da classe média do Rio de Janeiro". Rachel tinha um casamento sólido, e mesmo não parecendo muito satisfeita, ela permanecia naquela vida insossa ao lado do marido Virgílio (Cecil Thiré). Até que um dia, disposta a dar uma virada em sua vida mediana, ela se muda de Petrópolis, onde morava com a família, para o Rio, com sua filha. Lá, encontra o amor nos braços do mecânico Heitor (Jardel Filho), para descontentamento e crítica de todos. Seu romance com o rapaz não ganha o apoio, nem da família, muito menos dos amigos, que os veem com certo receio. Sim, ela enfrentou tudo por conta desse amor, que infelizmente foi interrompido por um fatídico problema de bastidor, a morte do ator Jardel Filho, que culminou no surgimento de um novo personagem para fazer companhia à Rachel.

Chegando então em Felicidade, onde todo o destaque se deu, merecidamente, à Maitê Proença, algumas personagens se mostrar irredutíveis perante as dores da vida. Como foi o caso da porta-estandarte da Mangueira, Tuquinha Batista (Maria Ceiça). A história da personagem foi baseada em dois contos de Aníbal Machado, e retratava seu amor pela zona norte carioca; mas muito além disso, seu final foi dramático e denso, sendo morta a facadas pelo ex-namorado. 
Na sua próxima novela, também no horário das 18 horas - como a antecessora -, Manoel Carlos abriu seu leque de universo feminino e nos brindou com mulheres intensas, determinadas, sofredoras, porém nunca submissas aos próprios problemas. História de Amor (1995) consagrou o autor e marcou sua passagem de volta ao horário das oito. Dentre tantos destaques da trama, eu escolho a vizinha e comadre de Helena (Regina Duarte), Marta (Bia Nunes). Ela tinha uma vida boa ao lado do marido e da filha e a atriz deu vida tão perfeitamente à personagem, que nos transmitiu aquela sensação de a conhecermos de tempo. No decorrer da trama, ela descobre ter câncer de mama e então, seu mundo parece desabar. O autor abordou magnificamente o drama tão vivenciado pelas mulheres, e na época, pouco abordado em novelas. Ela consegue vencer a doença, através de sua força e determinação.


Até então eu tinha citado apenas personagens bons, mas existem personagens com desvio de caráter - pra mim, novela de Manoel Carlos não tem vilões -, com grande determinação e que construíram juntos com os protagonistas as tramas perfeitas. A mulher de pulso firme escolhida em Por Amor (1997) é Branca (Susana Vieira), que não poupou esforços em fazer de sua família peças de um jogo de xadrez. Ela errou ao acreditar que o filho de seu amado Atílio (Antônio Fagundes) era Marcelo (Fábio Assunção), com isso, criou um vínculo indiscutível com o filho. Sendo assim, acabou se esquivando e mantendo um espírito sempre crítico com relação ao Leonardo (Murilo Benício), o verdadeiro filho do amante. Nunca poupou palavras de ofensa para este filho em prol de Marcelo, o mais querido dentre os três. Sim, tinha ainda Milena (Carolina Ferraz), que foi vítima dos planos da mãe para separá-la de Nando (Eduardo Moscovis), o namorado pobre da filha. Quer determinação maior do que essa personagem?! Talvez a segurança extrema - que causa sentimento ambíguo nos telespectadores- de Susana Vieira tenha feito da personagem alguém tão auto confiante, mas creio que esteja longe de existir personagem mais certa de si do que Branca Letícia de Barro Motta - e seu dry martini.


Assim como em Por Amor, Laços de Família (2000) também tinha sua Branca, denominada Alma (Marieta Severo). Ela era determinada e fazia de todos uma peça de jogo, mas ainda não acho que tenha sido a mais "pulso firme" da trama, a que enfrentou os maiores problemas da história e permaneceu de cabeça erguida até o final. Pra mim, essa foi Capitu (Giovanna Antonelli), que assim como a personagem do romance de Machado de Assis, ela parecia dúbia, nunca revelando a verdade por trás de seus olhos. Foi exposta a todos, quando Clara (Regiane Alves) escancarou em uma festa, que Capitu era prostituta. Mais do que isso, ela manteve um casamento em prol de uma melhoria de vida para o filho, e engoliu "sapos" graças a isso. Teve de abdicar de seu verdadeiro amor, Fred (Luigi Barricelli) em vários momentos e só ao final da trama, eles conseguiram ficar juntos. 
Bom, falar em Mulheres Apaixonadas (2003) e escolher uma mulher de fibra apenas é impossível. O autor se superou em criar tipos femininos, mas todos muito fortes e decididos. Ele retratou a agressão às mulheres, o homossexualismo feminino, câncer de mama, alcoolismo feminino, relação entre mulheres mais velhos e homens mais jovens, entre outros temas recorrentes ao universo das mulheres. E elas superaram em todos os sentidos a protagonista da história, muito bem vivida por Christiane Torloni, mas que não teve uma história tão intensa quanto às coadjuvantes. 
A sucessora Páginas da Vida (2006) já trouxe uma protagonista mais determinada, com uma história mais densa, ganhando destaque na obra. E assim como ela, a antagonista também tinha fibra suficiente para causar certo receio no público. Marta (Lília Cabral) era amarga, mas sempre manteve o foco no dinheiro, que tanto visou. Foi capaz de "vender" o neto, escorraçar a filha da própria casa e humilhar o marido durante toda a novela. Mesmo com seus contras, a personagem se tornou ícone dentro da trama.

E Lília Cabral novamente brilhou em Viver a Vida (2009). A personagem tinha tudo para ser mais uma mulher ressentida que não sabe lidar com o divórcio e sai pelas ruas soltando fagulhas em direção a todos. Mas ela não parou por aí, foi uma das mães mais relevantes da carreira de Manoel Carlos. Suas brigas com Helena (Thaís Araújo) foram para além de Marcos (José Mayer), refletiram a ânsia de ódio de uma mãe que viu sua filha perder a movimentação dos membros e como decorrência, ser desprovida de seu grande sonho como modelo internacional. Ela protagonizou cenas inesquecíveis ao lado da filha, Luciana (Alinne Moraes) e marcou seu lugar no coração de muitos telespectadores.
Sempre foi claro quem realmente é o sexo frágil das novelas do Manoel Carlos, os homens. Porém, além da mulher batalhadora que assume o papel de cuidar do lar e enfrentar grandes empecilhos da vida, ele conseguiu transmitir toda a delicadeza do sexo ao lidar com temáticas tão intensas e envoltas nesse universo. Mais do que meras personagens, elas conseguiram ser palpáveis, conseguiram se assimilar às nossas amigas, vizinhas, irmãs, primas e mães. Mais do que Helenas, errôneas ou certeiras, ele conseguiu criar retratos de mulheres que nós, homens, nos orgulhamos de dividir um lugar no mundo.