Quando "O Rei do Gado" se tornou o rei das oito.







 


 
Em  junho de 1996 iniciava mais uma novela das oito, escrita por Benedito Ruy Barbosa, não estava entre as listas das mais esperadas tramas. Antes de começarmos, vamos relembrar uns últimos fatos na vida do autor, que provavelmente culminaram com o apogeu de O Rei do Gado. Em 1990, ele foi o responsável por balançar os pilares da Rede Globo, quando escreveu na extinta Rede Manchete a novela Pantanal. Com um regionalismo sempre aflorado, Benedito conseguiu diminuir relativamente a audiência da emissora da família Marinho em prol de um crescimento gradativo da emissora da família Bloch. Anos depois, ele foi contratado pela Globo, onde escreveu a novela Renascer - atualmente no ar, pelo Canal Viva -, que foi muito bem aceita pelo público, mas nada que deva ser considerado como grande êxito do horário. Alguns anos depois, o autor entrega (e é aceita) a sinopse da história da disputa entre as famílias Mezenga e Berdinazi, à Rede Globo. Antes do início a trama já enfrentou alguns problemas, como o fato de Glória Perez ter resolvido diminuir sua novela, Explode Coração, que antecedeu a história de Benedito. Foi então que a Rede Globo decidiu criar a 'mini-novela' O Fim do Mundo, já que O Rei do Gado não estava pronta para ir ao ar. Diante de tais empecilhos a trama se inicia exatamente no dia 17 de junho e a partir dali foi apenas sucesso que definiu a história de Benedito Ruy Barbosa, uma das maiores audiências do horário. 

A tão estimada audiência e a primeira fase impecável


Imagens: Memória Globo

A novela figura entre as dez novelas mais assistidas do milênio, ocupando o último lugar. É a segunda do autor no ranking, haja vista que Renascer ocupa o posto de 5º lugar. Porém, O Rei do Gado levou consideráveis prêmios para a teledramaturgia nacional, como o Certificado de Honra ao Mérito no San Francisco Film Festival, concorrendo com 1.525 produções mundiais. Além deste prêmio, a primeira fase da novela é considerada um primor na dramaturgia atual e acabou sendo transformada na minissérie Giovanna e Henrico, sendo selecionada como obra hors-concours no Festival Banff, do Canadá. 
A primeira fase da trama foi um marco, pois retratou um a decadência do ciclo do café, importante período histórico nacional, além da participação do Brasil na II Guerra Mundial. Teve duração de sete capítulos dentro da trama e um peso incomparável com outras histórias do gênero. 

Sem medo de ser feliz


Me apossei de uma das canções da trilha para dizer que uma das causas desse sucesso foi o fato de Benedito não ter medo de ousar em suas histórias. Relacionamento extraconjugal e interesses se mesclavam com assuntos sérios, e jamais usados em novelas, como o MST (Movimento dos Sem-Terra) e a Reforma Agrária. E tais problemas aguçaram ainda mais o público, gerando grande repercussão na mídia em geral. 

Em um tempo onde as novelas não precisavam seguir padrões, como o fato da valorização da nova classe C ou as novelas inteiramente urbanas, era mais fácil tratar de temas mais abrangentes. E se alguém perguntasse, antes de O Rei do Gado, se imaginaria uma mocinha bóia-fria, a resposta seria: Não! Pois é, muito além da simples mocinha que fugia do padrão original, de moça prendada, correta e que aceita as situações que a vida lhe impõe, Benedito criou Luana (Patrícia Pillar), uma moça que não aceita o que lhe era imposto e lutava por seus ideias sem titubear pelo simples fato de ser mulher. 
Outra questão interessante a ser abordada pelo autor foi o núcleo do senador, que recebeu o sugestivo nome de Caxias (Carlos Vereza). Ele era um político correto e justo, fazendo frente aos políticos sempre expostos por Aguinaldo Silva, corruptos e visando sempre o bem estar próprio. Além da problemática política enfrentada pelo senador, ele ainda teve de lidar com a rejeição da esposa Rosa (Ana Rosa). 
O que também chamou a atenção do público foi a maneira como o amante de Léia (Sílvia Pfeifer), Ralf (Oscar Magrini) tratava a mulher. Foi uma das primeiras tramas a abordar o tema da mulher agredida que se cala. Por várias vezes, ele bateu em Léia e ela simplesmente se calou diante da situação. Lembrando que tal temática em 96 ainda era considerada um tabu a ser quebrado. 

Visto naquela época, percebemos um elenco com grandes nomes novos, mas se observados hoje, temos um dos melhores elencos do horário. Marcello Antony, Caco Ciocler e Lavínia Vlasak eram principiantes, hoje se consagraram como grandes atores. Fábio Assunção tinha, até então, uma carreira relativamente curta na TV e surpreendeu em seu papel como o rebelde Marcos, filho do protagonista Bruno Mezenga (Antônio Fagundes). Sílvia Pfeifer conseguiu também se desvencilhar do título de péssima atriz. Quando ela viveu Isadora Venturini, uma das protagonistas de Meu Bem Meu Mal, ela foi muito criticada, desde então, ela sempre vinha tentando romper a barreira e se consagrar como atriz. Com sua atuação na novela, ela não agradou a crítica, porém não causou incômodo nos telespectadores, dando vida à fútil Léia Mezenga. Claro que não podemos deixar de considerar os grandes nomes como Antônio Fagundes, Raul Cortez, Glória Pires, Patrícia Pillar, Stênio Garcia, entre outros que já tinham firmado seu lugar no mercado. Enfim, esses são apenas alguns exemplos de como os atores deram vida de forma real aos personagens que oscilavam entre o comum e o complexo. 

A trilha sonora mais vendida

Pois é, O Rei do Gado leva o título de trilha sonora de novela mais vendida. O primeiro disco da novela vendeu 2.122.000 cópias. Principiando um estilo usado em Avenida Brasil, de criar uma trilha mais popular, a novela ainda contou com grandes nomes da música brasileira, como Djavan, Daniela Mercury, Renato Russo e Zé Ramalho. E trouxe ainda grandes nomes da música sertaneja que 'estouraram' nos anos 90, como Zezé DiCamargo & Luciano e Leandro & Leonardo. Confira o disco completo:

  1. "Rei do Gado" - Orquestra da Terra (tema de abertura)
  2. "Coração Sertanejo" - Chitãozinho & Xororó (tema de Bruno Mezenga)
  3. "Admirável Gado Novo" - Zé Ramalho (tema do núcleo dos sem-terras)
  4. "La Forza Della Vita" - Renato Russo (tema do senador Caxias)
  5. "Eu Te Amo, Te Amo, Te Amo" - Roberta Miranda (tema de Léia)
  6. "Correnteza" - Djavan (tema de luana)
  7. "À Primeira Vista" - Daniela Mercury (tema de Liliana e Marcos)
  8. "Sem Medo de Ser Feliz" - Zezé Di Camargo & Luciano (tema de Ralf)
  9. "Doce Mistério" - Leandro & Leonardo (tema de Lia e Pirilampo)
  10. "Vaqueiro de Profissão" - Jair Rodrigues (tema de Zé do Araguaia)
  11. "The Woman In Me (Need The Man In You)" - Shania Twain (tema de Suzane)
  12. "O Que Vem a Ser Felicidade" - Orlando Morais (part. esp. Dominguinhos (tema de Rafaela)
  13. "Cidade Grande" - Metrópole (tema geral)
  14. "Caminhando Só" - Evara Zan (rema geral)


A novela teve média de 55 pontos de audiência, quando exibida no horário original. Foi reprisada pelo Vale a Pena Ver de Novo, registrando 27 pontos, considerada uma das audiências mais relativas do programa vespertino. Foi transmitida recentemente pelo Canal Viva e é considerada a última novela das oito e ter audiência acima dos 50 pontos, desde então. Por essas e outras, O Rei do Gado tem lugar cativo no coração de todo noveleiro. Se muitos elegem Escalada com uma das melhores novelas, eu elejo O Rei do Gado como uma das melhores da modernidade, pois Benedito soube dar o tom certo para uma história que trazia romance e questões políticas tão bem abordadas.