No ar: o recalque.


Se tem um sentimento que anda pairando no ar da contemporaneidade é o tal do RECALQUE. Segundo definição do dicionário Michaellis: 

re.cal.que sm (der regressiva de recalcar1 Ato ou efeito de recalcar; recalcamento. 2Constr Rebaixamento da parede ou da terra depois de pronta a obra. Psicol Exclusão inconsciente, do campo da consciência, de certas ideias, sentimentos e desejos que o indivíduo não quisera admitir e que todavia continuam a fazer parte de sua vida psíquica, podendo dar origem a graves distúrbios.

Foca no "sentimentos e desejos que o indivíduo não quisera admitir e todavia continuam a fazer parte de sua vida psíquica". Mas se nos debruçarmos na definição mais leiga, comum de usuários da internet, teremos recalque como sendo utilizado para definir uma pessoa invejosa ou reprimida. Então, a questão é que nas atuais novelas, o recalque - em qualquer de seus sentidos - anda aparecendo além do comum. Na novela das seis, Flor do Caribe, temos a personagem Doralice (Rita Guedes), que sofre de um mal ainda indefinido. A moça simplesmente sumiu no mapa, depois de se sentir frustrada pela gravidez da nora, Natália (Daniela Escobar). Aliás, nora essa que nunca foi bem aceita pela grande diferença de idade com relação ao Juliano (Bruno Gissoni). Doralice foi pro convento, sem dar nenhuma satisfação ao seu marido. Voltou e tudo estava mudando, inclusive com nova companhia na casa. E ainda assim, ela insiste em esconder do marido o real motivo de ter partido. Bem, entre segredos e mentiras, o que resta pra ela é o recalque. Implicitamente, vimos um sentimento de incômodo diante da gravidez da nora, por conta da filha que ela perdeu no passado. Mas além disso, parecia que a felicidade alheia - do filho adotivo com a noiva -, era angustiante para ela. O que define seu recalque é o fato de nunca ter admitido o sentimento de rancor para com a relação do filho. 

Em Sangue Bom, fica até difícil definir qual o maior recalcado da trama, qual sofre mais com a felicidade alheia, qual se incomoda mais por sentir o que não quer sentir e pior, não assume. Fico com Fabinho (Humberto Carrão) e Amora (Sophie Charlotte), pra ser clichê. O vilão não aceita o fato de não ser filho do milionário Plínio Campana (Herson Capri), mas a diferença dele para Amora é a maneira como reage, culminando mais numa possibilidade de ódio, propriamente dito, do que recalque. Já a vilã segue o padrão hipócrita, que sofre, mas não assume que está na pior. E na tentativa de melhorar sua situação, ela passa a lançar fagulhas para todos os lados, de modo a tentar minorizar as pessoas que parecem estar em situação melhor que a dela - geralmente a irmã Malu (Fernanda Vasconcellos). Outra que merece entrar na lista é Renata (Regiane Alves), que desovou críticas em cima de Verônica (Letícia Sabatella), apenas pelo fato de ter perdido o grande amor para ela. Entupida até a cabeça de recalque, a personagem adquiriu características expostas por Freud quando definiu o recalque: autopunição e isolamento. 

Por falar em gente que não aceita perder o gato, vamos falar da Dra. Glauce (Leona Cavalli) em Amor à Vida. A médica não poupa esforços em esculachar Paloma (Paolla Oliveira), mesmo que seja diante de Bruno (Malvino Salvador), eterno apaixonado pela moça. Não bastasse isso, ela entrou num jogo de vilania com Félix (Mateus Solano), Ninho (Juliano Cazarré) e Alejandra (Maria Maya), a recalcada #2. Sim, ela também sofre do mal "me trocou pela Paloma", só que com relação ao Ninho. Nunca aceitou isso, mas sempre seguiu o estilo hipócrita se fazendo passar de amiga de Paloma. Poucas vezes nos deparamos com elas assumindo o rancor que sentem pela protagonista da novela, mas no fundo, sabemos que todas as atitudes impensadas que tiveram até hoje foi por conta do amor que sentem pelos respectivos homens e pelo recalque que têm para com Paloma, com o intuito de fazê-la sofrer de alguma maneira, para pagar por ter conquistado os rapazes. 

E porque não falar da minha amadinha de Saramandaia, Dona Redonda (Vera Holtz). Vou assumir mais uma vez a imparcialidade e ter que ver os defeitos da minha personagem favorita na novela das onze. Mas ela é um bom exemplo do recalque, pois invetou um dossiê falso, cheio de absurdos, com o intuito de derrubar João Gibão (Sérgio Guinzé), o saramandista. E ela não poupa farpas ao falar dos opositores, talvez porque no fundo saiba da podridão que se esconde por trás dos "bole-bolenses". Ali, o recalque vem em toneladas! Mas tal "sentimento" não é privilégio apenas de personagens globais. Em Dona Xepa, da Rede Recalque Record, a personagem Rosália (Thaís Fersoza) é ressentida por conta da origem humilde e pela profissão da mãe. Pra ela nada, nem ninguém presta e só ela é boa para conseguir ser "alguém" na vida. Não vou discorrer muito, pelo pequeno conhecimento que tenho da personagem. 

E em Chiquititas também tem sua recalcada mirim, a Bia (Raissa Chadad). A menina é rabugenta, maquiavélica, mas mais do que isso, ela sente inveja porque Mili (Giovanna Griogio) é uma líder, dentre as meninas. Dessa forma, ela sempre arruma uma maneira de bater de frente com Mili, ou de falar mal dela para as outras meninas, como uma forma de se proteger do "poder" da rival, ou de provar pra ela mesma que ela é melhor.